Nos estágios iniciais de uma empresa, dificilmente os fundadores darão muita atenção ao plano de remuneração da organização. Há muitos outros problemas mais urgentes a serem resolvidos, como levantar recursos, criar o produto mínimo viável (MVP), entre outros desafios.
Entretanto, não demora muito (tipicamente a partir de trinta colaboradores) para que os líderes se deem conta que precisam ser realmente intencionais na elaboração de uma estratégia de remuneração para seus times.
O que você encontrará neste conteúdo?
Implementar uma filosofia e uma política de remuneração que reflitam os valores da companhia é trabalhoso. Diretores de RH e gerentes de remuneração, tipicamente em conjunto com o CEO e eventualmente outras lideranças, precisam começar a pensar e endereçar uma série de perguntas que irão nortear o trabalho: “Com o que nos importamos? Queremos ser uma organização que está pagando muito em dinheiro ou que está mais fortemente apoiada em equity? Que tipo de benefícios queremos ter? Como queremos nos diferenciar em relação às outras empresas do mercado?”
O que é um Plano de Remuneração
Um plano de remuneração (ou política de remuneração) é um conjunto de diretrizes para salários, bônus, benefícios e incentivos de longo prazo (ILPs). Quando bem feito, ele proporciona aos atuais e potenciais colaboradores uma visão clara do pacote total de benefícios da empresa, o que é fundamental para atrair e reter os talentos.
Um bom plano de remuneração não apenas define faixas de salário, mas também suas funções e seus diferentes níveis, descrevendo, ainda, como o desempenho será avaliado. A criação de uma política de remuneração pode ser resumida através de quatro pilares:
Filosofia de remuneração:
É o posicionamento da sua empresa no que se refere à remuneração dos funcionários. Ela define, em alto nível, sua estratégia para contratar, reter e recompensar talentos. Se bem feita, irá nortear todas as decisões referentes a salário, remuneração variável, incentivos de longo prazo e demais benefícios.
Por exemplo, suponha que sua empresa esteja em um estágio avançado (late stage), tendo captado uma rodada Série C, com bastante dinheiro em caixa e muitos desafios tecnológicos para escalar seu produto. Nesse contexto, a estratégia foi pensada de forma a remunerar os programadores mais do que outros funcionários. Enquanto os engenheiros receberão salários dentro do percentil 75º (melhor que 75% das empresas do mesmo porte em sua região), as demais funções ficarão no percentil 50º. Entretanto, para que todos se sintam valorizados, a empresa irá pagar bônus anual independente da área e criou um programa de incentivo de longo prazo também para todos os níveis e cargos, dentro do percentil 50º.
Ou seja, a filosofia de remuneração não é uma lista completa dos salários para cada função ou um resumo de todas as recompensas que a empresa oferece. Em vez disso, é um conjunto de diretrizes sobre o quão competitiva a companhia precisa ser; como permanecerá financeiramente responsável; sua abordagem para grandes questões de compensação, como localização e bônus; e como ela dividirá seus pacotes em dinheiro versus equity.
Arquitetura de cargos:
É como a empresa estrutura os cargos e seus diferentes níveis (em outras palavras, sua hierarquia de cargos). É especialmente importante para que colaboradores tenham uma visão mais clara sobre suas opções de crescimento profissional dentro da empresa, tendo um impacto expressivo sobre os índices de retenção de talentos.
Vale destacar a importância de uma sólida arquitetura de cargos para um bom planejamento financeiro. Com degraus e funções bem definidos, fica mais fácil projetar o incremento futuro de custos com pessoal. Mas engana-se quem acredita que basta criar uma planilha com cargos e salários: é preciso estabelecer como se dará a evolução dos funcionários dentro dessa arquitetura, quais critérios e indicadores serão levados em conta, e qual sua periodicidade.
Gestão de desempenho:
Aqui são definidas as diretrizes para avaliação de desempenho. Isso ajuda os gerentes a acompanharem o trabalho dos seus funcionários, em geral a partir de uma análise de habilidades técnicas e comportamentais (hard e soft skills), para que eles possam receber feedbacks contínuos e avançarem em suas carreiras – com melhores PDIs, eventuais treinamentos, promoções, entre outras iniciativas.
Existem inúmeros tipos de avaliação de desempenho e também alguns métodos a serem escolhidos. Na prática, é um processo contínuo de desenvolvimento, em que a cada ciclo são incorporados aprendizados e corrigidas certas consequências indesejadas. Neste artigo é possível se aprofundar mais no tema.
Um último ponto sobre esse tópico: embora os elementos de um bom sistema de gestão de desempenho sejam relativamente simples, integrá-los aos processos e dinâmica operacional da empresa é mais difícil do que parece. Por isso, escolher as métricas certas, manter a cadência e fazer acompanhamentos (1-1s) periódicos são essenciais para um resultado satisfatório nessa dimensão.
Incentivos:
Por fim, mas não menos importante, um plano de remuneração precisa estabelecer como os funcionários serão pagos pelo seu desempenho. Os incentivos podem ser diretos – como salários, bônus e remuneração em ações – e também indiretos, compreendendo uma lista infinita de benefícios mais ou menos aderentes ao tipo de mão-de-obra em questão – desde planos de saúde à flexibilidade para tirar qualquer tempo desejado de férias.
Especialmente importante para equipes de alta performance é a estruturação de uma remuneração variável que premie os talentos em função de seu desempenho individual ou coletivo. Entre os tipos mais comuns de remuneração variável estão os bônus, as comissões, os programas de participações nos resultados e lucros (PPR e PPL) e os ILPs – tópico que abordaremos em maior profundidade abaixo.
Os pilares de um programa de Incentivo de Longo Prazo
Os benefícios de um programa de ILP extrapolam o impacto sobre a remuneração dos colaboradores, incorporando aspectos como o fortalecimento da cultura de dono, o alinhamento de interesses entre o time e os fundadores e investidores, a maior retenção, entre outros. Entretanto, do ponto de vista puramente financeiro, é sabido que a verdadeira criação de riqueza dificilmente virá apenas do salário ou mesmo de bônus. O tipo de riqueza com potencial de transformação geracional geralmente está relacionado à aquisição de equity (participação acionária na empresa).
Considerando também que a produtividade do capital cresce a taxas mais aceleradas do que os reajustes salariais, há um forte argumento em favor da utilização de equity para reduzir as desigualdades sociais crescentes – um aspecto cada vez mais valorizado por investidores de impacto e companhias sensíveis a políticas ESG.
Leia também: Como os ILPs redefinem as relações de trabalho
Um plano de ILP deve descrever, no mínimo, os tipos de incentivos utilizados, os prazos de outorgas e os cronogramas de aquisição.
Tipos de ILPs
Os Incentivos de Longo Prazo se distinguem entre aqueles baseados em ações e os baseados em dinheiro (essencialmente os bônus de longo prazo e as ações ou opções fantasmas). Nosso foco nestse artigo serão aqueles baseados em ações.
Stock Options:
Opções representam a concessão de um direito (e não obrigação) de comprar uma determinada quantidade de ações da empresa por um preço e em um prazo pré-definidos. O ganho do colaborador se dá na diferença positiva entre o valor de compra e o de venda da ação (spread). Caso queira saber mais sobre stock options, confira este outro artigo aqui.
Ações Restritas (RSU):
As ações restritas (ou restricted stock units) implicam a concessão futura de ações sem custo ao participante, sujeitas ao cumprimento de um prazo de carência (vesting). O ganho do colaborador se dá no valor total da ação.
Ações por Performance:
Semelhante às ações restritas, aqui também há a concessão de ações sem custo para o beneficiário, entretanto seu resgate está atrelado ao atingimento de metas de longo prazo, normalmente associadas a criação de valor para a empresa.
Matching Shares:
Nessa modalidade de ILP, há investimento de parte ou totalidade do bônus líquido recebido pelo executivo na compra de ações da empresa, com uma contrapartida (match) em ações ou dinheiro. A contrapartida é sujeita a período de carência no qual o executivo deve manter posse das ações compradas.
Enquanto as startups optam majoritariamente por stock options, à medida que a empresa cresce há uma forte tendência para que ela migre seus programas para modelos atrelados ao valor integral da ação. Neste artigo apresentamos dados recentes que comprovam essa tese quando investigadas as grandes empresas brasileiras, tanto de capital fechado como de capital aberto.
Cronograma de Aquisição (Vesting)
Tendo em vista a finalidade de não apenas alinhar incentivos no longo prazo, mas também garantir maior retenção, as aquisições de opções ou ações pelos funcionários são quase sempre distribuídas ao longo de um período de tempo. Elas podem ocorrer de forma gradual ou podem ser integralmente exercidas ao final do período (pleno).
Embora menos comum – e sujeitos a implicações tributárias tendo em vista maior probabilidade de caracterização enquanto natureza remuneratória -, o vesting em alguns casos é definido não (apenas) pelo tempo, mas também em função de metas. Nesse caso, as opções ou ações são outorgadas à medida que o colaborador alcança resultados pré-estabelecidos. Diferentemente das ações por performance, que estão atreladas a alguma métrica de desempenho da empresa, aqui o resultado é individual.
Ao longo desse período, as outorgas – termo usado para se referir ao processo de entrega de ações ou opções – podem ocorrer em diferentes periodicidades (mensalmente, trimestralmente, semestralmente ou até anualmente). Além disso, geralmente há um período de carência (cliff) – tipicamente de um ano – em que os participantes precisam ultrapassar para terem direito ao benefício do equity.
Um vesting de quatro anos, com um ano de cliff, e lotes mensais pode ser representado conforme figura abaixo:
Atualização de Outorgas (refresh grants)
É esperado que as empresas que utilizam equity como parte da sua estratégia de remuneração tenham um plano de atualização das outorgas de tempos em tempos.
Isso pode acontecer em função de múltiplas razões:
#1 – Incentivo para que colaboradores fiquem além do período inicial de vesting:
É comum as empresas fazerem novas outorgas anualmente ou a cada dois anos, como forma de ampliar a retenção do time. Isso para evitar que haja uma janela de maior suscetibilidade à saída do funcionário quando o vesting da primeira outorga for 100% atingido.
#2 – Premiação por desempenhos excepcionais:
Outra prática usual no mercado é fazer outorgas adicionais como premiação pelo desempenho de determinados talentos da empresa. Nesses casos, o mais comum é a utilização de um vesting padrão e sem cliff, para que o efeito da premiação comece imediatamente.
Embora os valores outorgados possam variar de acordo com o cargo e mesmo a performance do funcionário, nota-se que frequentemente ficam em torno de 10% a 20% da primeira outorga concedida.
#3 – Mudanças de cargo:
As outorgas decorrentes de mudanças de função são pouco comuns no mercado e, provavelmente, as mais complexas do ponto de vista da empresa.
Com a valorização do equity do negócio, cresce também o valor do ILP inicialmente recebido pelo colaborador. Dependendo da escala desse crescimento, um funcionário pode já ter vestido um valor patrimonial maior do que receberia um novo contratado. A maioria dos planos de ILP não faria novas outorgas para o funcionário nessa situação, o que faz sentido do ponto de vista da empresa, mas não do funcionário.
Uma forma de resolver esse impasse é calcular a diferença das quantidades médias oferecidas entre o cargo anterior e o futuro do colaborador, e então outorgar essa diferença ao funcionário. Com isso, independente da valorização do equity inicialmente recebido pelo funcionário, ele recebe o mesmo valor adicional em função da sua promoção e, portanto, a empresa não penaliza aqueles que têm mais tempo de casa.
#4 – Equiparação de mercado:
Por fim, é provável que a empresa tenha que rever as quantidades outorgadas de stock options, RSUs ou Performance Shares de tempos em tempos, para se manter competitiva no mercado. Com isso, é importante garantir que um funcionário com mais tempo de casa tenha direito ao mesmo patamar de ILPs que alguém recém contratado no mesmo cargo que ele.
Para resolver esse problema, aplica-se também a diferença entre as duas políticas utilizadas (no momento em que a pessoa foi contratada vs agora) e outorga-se a diferença para o funcionário da casa.
Em resumo: as etapas de um Plano de Remuneração
A formalização de um plano de remuneração cultiva a equidade salarial e a transparência, fortalece a cultura da empresa e ajuda a reter os melhores talentos. Adicionalmente, um ambiente de trabalho justo aumenta o desempenho dos funcionários e reduz a rotatividade, de acordo com uma pesquisa do Gartner.
O passo-a-passo para a criação de um política de remuneração claramente irá variar de empresa para empresa, mas seguindo esses sete passos abaixo você já estará bem posicionado para colher os frutos do seu esforço:
- Determine sua filosofia de remuneração
- Descreva a arquitetura do cargos, definindo papéis e níveis
- Crie diretrizes para as avaliações de desempenho
- Defina a remuneração direta dos seus funcionários (salário, bônus e ILPs)
- Adicione os benefícios
- Implemente um processo de equidade salarial
- Revise periodicamente o processo através de pesquisas e análises
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