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Precisamos de mais clareza sobre a tributação das stock options no Brasil

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Este artigo foi escrito por Alex Schur Faiwichow e Diego Faria Guilherme, sócios do escritório CFF Advogados, para a coluna de advogados do blog do Basement.

Os planos de opções de compra de ações (Stock Options Plans – “SOP) são cada vez mais comuns no cotidiano empresarial, especialmente quando se trata de startups e empresas de tecnologia. Por isso, abordaremos abaixo critérios práticos sobre os aspectos fiscais dos SOPs, para auxiliar as partes envolvidas (empresa e beneficiários) no momento de sua elaboração, bem como a nossa visão a respeito da atual situação legislativa e jurisprudencial sobre o assunto.

O SOP é uma modalidade contratual criada, entre outros, para unir interesses comuns existentes entre empresa e seus colaboradores, uma vez que sua celebração busca incentivar o colaborador a investir no crescimento do negócio para que, após um determinado prazo (vesting), detenha participação no capital social da entidade e, com isso, passe a usufruir dos direitos (e também obrigações) de um sócio/acionista (por exemplo, recebimento de dividendos).

É, portanto, um instrumento jurídico extremamente eficiente para empresas que estão em crescimento, buscando profissionais engajados com seu projeto e uma estrutura interna com maior governança e alinhamento de interesses.  

Caracterização da essência dos planos de stock options

O SOP surgiu nas empresas norte-americanas como medida para estimular executivos e administradores a desenvolver e trazer maiores retornos para os negócios por eles geridos. Posteriormente, o modelo foi estendido para os demais integrantes das empresas, de forma a incluir funcionários e parceiros.

Assim, em sua essência, o SOP busca servir como uma forma de estímulo para que os beneficiários participem ativamente do crescimento da empresa

Em razão disso, a sua finalidade está dissociada da “remuneração” do colaborador, que se caracteriza como uma contraprestação financeira paga pela empresa ao funcionário em troca de seu trabalho.

Diferentemente da remuneração, que é habitual e “certa”, o que se busca ao instituir o SOP é que os colaboradores entrem no risco do empreendimento, a fim de permitir que eles também compartilhem, junto dos acionistas da empresa, dos resultados colhidos pelo empreendimento em decorrência do seu trabalho.

Por isso, o SOP não deve ser confundido com remuneração pelo trabalho, a qual se traduz, atualmente, como Salário, Pró-labore e Programa de Participação nos Lucros e Resultados (PLR ou “bônus”), entre outros.

De qualquer forma, no direito brasileiro, é pouco relevante o nome que as partes dão a determinado acordo, sendo necessário identificar a sua essência. Portanto, ao aderir ao SOP, ambas as partes devem se atentar para os termos e condições descritos no plano, a fim de verificar se, de fato, estão celebrando um instrumento de natureza mercantil, isto é, que não configure uma simples remuneração pela relação de trabalho.

Desse modo, um dos efeitos de se celebrar um acordo que não possui natureza de SOP diz respeito às exigências fiscais, que são distintas para as relações mercantil e remuneratória, como veremos abaixo.

Aspectos jurídico-fiscais dos planos de stock options

Apesar de a sua ideia ser clara e objetiva, os planos de stock options trazem grandes discussões envolvendo Contribuintes e as Autoridades Fiscais (no caso, a Receita Federal do Brasil – “RFB”). 

O ponto central dessas discussões parte, como descrito acima, especialmente, da natureza jurídica (isto é, mercantil ou remuneratória) do SOP celebrado entre empresa e beneficiário. Isso porque, ao contrário das operações com derivativos comumente verificadas no mercado financeiro, a outorga das opções aqui discutida parte, inquestionavelmente, do vínculo jurídico existente entre a empresa e o colaborador. E, nesta ocasião, a legislação brasileira é omissa quanto aos critérios trabalhistas e tributários relativos aos SOPs¹. 

Nesse sentido, a forma de tributação de cada plano de opções de ações deve ser verificada de forma individualizada, com o objetivo de verificar os elementos de cada plano, e, a partir disso, identificar a existência de natureza remuneratória (salarial) ou mercantil.

Em razão disso, observa-se que a RFB, ao analisar os termos celebrados entre as partes, parece seguir um racional arrecadatório e, consequentemente, busca aplicar o entendimento de que as contraprestações conferidas pelas empresas aos beneficiários se caracterizam como uma espécie de remuneração e, consequentemente, exigir o recolhimento de IRPF (até 27,5%) e Contribuições Previdenciárias (FGTS e INSS).

Por outro lado, os contribuintes (e nós também, desde que observados determinados critérios) entendem que a opção se trata de um contrato mercantil, fato que justificaria o recolhimento do IR-Ganho de capital (entre 15-22,5%) e isentaria do recolhimento de Contribuições Previdenciárias, reduzindo os custos fiscais envolvidos.

Como a legislação é omissa sobre o tema, fica a cargo da jurisprudência fiscal definir os critérios que irão auxiliar a identificar quando um SOP possui natureza remuneratória ou mercantil, bem como o momento e a forma de recolhimento aplicáveis. 

Ao julgar as demandas, os principais (mas não únicos) pontos analisados pelas Cortes (administrativa e judicial) são os seguintes: (i) existência de risco para o beneficiário na celebração do SOP; (ii) voluntariedade do beneficiário na celebração do plano; (iii) pagamento do preço de exercício (strike price); (iv) existência de lock-up e seus efeitos; (v) termos e condições para o exercício das opções (especialmente a existência de contraprestação financeira, ou seja, pagamento); (vi) termos e condições durante o vesting; e (vii) habitualidade do pagamento.

De maneira resumida, identifica-se que a posição atual do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) (subordinada ao Ministério da Economia) é mais restritiva que a jurisprudência judicial (Poder Judiciário) no que se refere à caracterização da natureza dos planos. 

Apesar de ambas analisarem os termos e condições dos planos firmados entre empresa e beneficiários, a principal diferença verificada entre as decisões das Cortes é a de que o Judiciário não se apega em critérios específicos dos planos (como, por exemplo, a existência de lock-up) para concluir que o plano possui natureza remuneratória ou mercantil, atentando-se sob uma ótica econômica, por exemplo à existência de pagamento pela “aquisição” dessas ações.

A discordância entre contribuintes e Autoridades Fiscais, intensificada pela atuação errática das Cortes, pode desestimular a celebração dos planos de stock options, em razão da insegurança jurídica decorrente dos efeitos fiscais de sua celebração.

Pontos de reflexão sobre a tributação das stock options

O que se pode concluir é que essa incerteza jurídica sobre a natureza dos planos de stock options, traz prejuízos a toda economia. Isso poderia ser evitado caso o Estado criasse regras e diretrizes claras para a caracterização da natureza mercantil dos SOPs, permitindo que  fossem melhor utilizados pelo mercado. Nesse sentido e de maneira simplificada, essa insegurança jurídica levanta as seguintes problemáticas:

  1. Empresas e Beneficiários: não possuem segurança sobre o valor, o momento e a forma de recolhimento dos tributos devidos na operação, havendo o risco de serem questionados pelas autoridades fiscais (com imposição de multa) caso optem por considerar a natureza do SOP como mercantil, o que pode ser reforçado (ou mitigado) a depender das características do plano. Tal fato pode desestimular a abertura de determinados postos de trabalho, dado que haveria uma maior carga fiscal a ser paga pela Empresa e pelo Beneficiário. Por exemplo, startups e empresas do setor de tecnologia que, em geral, caracterizam-se pelo baixo capital de giro e alto grau de investimento, quando utilizam do SOP para retenção de talentos, se deparam com (i) incerteza jurídica e (ii) um potencial ônus financeiro relevante (caso seu plano seja caracterizado como remuneratório);
  2. Estado: desestímulo ao empreendedorismo e ao desenvolvimento de novos negócios. Outro fator seria a necessidade de mobilização de auditores, procuradores, juízes e demais funcionários, bem como de infraestrutura para fins de fiscalização e cobrança desses valores, intensificada pela alta ineficiência em razão da falta de coordenação da atuação estatal.

Em resumo, esta questão se tornou mais uma grande controvérsia jurídico-fiscal, que onera o Estado e a iniciativa privada, bem como desincentiva e dificulta o empreendedorismo e a injeção de recursos nacionais e estrangeiros no mercado local (por exemplo, startups e empresas de tecnologia).

A insegurança jurídica sob discussão resulta em uma grande quantidade de demandas administrativas e judiciais e, consequentemente, na mobilização de profissionais do CARF, RFB, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, advogados das empresas, advogados dos funcionários e do Poder Judiciário, que são obrigados a se debruçar sobre a questão rotineiramente, onerando excessivamente o Estado. E, caso existissem regras claras, todos esses profissionais poderiam se debruçar em discussões mais complexas (por exemplo, combate à evasão fiscal), impulsionando o desenvolvimento do país.

Sob uma ótica econômica, apesar de, em um primeiro momento, esse imbróglio trazer um potencial aumento de arrecadação para as autoridades fiscais, o impacto negativo na economia decorrente da judicialização e da insegurança jurídica dessa questão resulta em um desincentivo à utilização dos SOPs e tende a gerar, em um segundo momento, uma menor circulação de capital no mercado e, consequentemente, menor arrecadação aos cofres públicos. 

Ainda sob a ótica financeira, é possível perceber que a falta de regulamentação sobre o assunto pode gerar uma maior concentração de riqueza pelos proprietários de empresas, considerando que nessa situação os planos de SOP, que incluem novas pessoas no cap table, serão menos utilizados.

Desse modo, apesar de existirem diversos posicionamentos sobre o assunto por parte das autoridades fiscais e das Cortes Administrativas e Judiciais, a controvérsia se mantém pela ausência de um entendimento claro e consolidado sobre o assunto. 

Em nossa opinião, o ponto de partida para trazer maior segurança sobre a forma de tributar os SOPs seria a criação de uma norma que defina os critérios, de maneira clara e objetiva, a serem observados em sua elaboração – similar ao que ocorre com os programas de PLR. De forma exemplificativa, poderia ser a questão abordada pelo Marco Legal das startups em trâmite no Poder Legislativo, um assunto inerente ao dia a dia dessas empresas e essencial ao desenvolvimento econômico do país.

Enquanto isso não se verifica, empresas e beneficiários devem avaliar individualmente o plano celebrado por cada parte, seguindo os critérios legais e jurisprudenciais, com a finalidade de terem maior segurança no momento de recolherem os tributos decorrentes da celebração e execução dos planos.


¹ A legislação somente trata sobre SOP em duas ocasiões: (i) na Lei nº 6.404/76, quando fala que o estatuto/contrato social pode prever a instituição do plano, desde que observado (a) prévia delimitação de capital autorizado; e (b) aprovação do plano pela assembleia; e (ii) dedutibilidade da despesa incorrida pela empresa com a outorga da opção para fins de apuração do lucro real (artigo 33 da Lei n° 12.973/2014).

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