mútuo conversível

Mútuo conversível: entenda como funciona

Existem diversas formas de uma empresa receber financiamento. No ecossistema das startups, instrumentos que garantem participação acionária (equity) aos investidores são os mais comuns. No universo de investimento via equity, os contratos de mútuo conversível são uma das formas mais populares de financiamento, especialmente nos estágios mais iniciais da empresa (early stage).

Aqui no Basement, acumulamos nos últimos anos experiência sobre o assunto revisando e validando centenas de cap tables e contratos de mútuo conversível, SAFEs e warrants, tendo diversas trocas valiosas com centenas de empreendedores(as), investidores(as) e advogados(as) do mercado. Buscando consolidar e compartilhar abertamente nossos principais aprendizados, neste artigo, responderemos as dúvidas mais frequentes de empreendedores e investidores sobre o tema, incluindo as suas vantagens e desvantagens, os principais termos e as nossas recomendações sobre como usar esse instrumento da melhor forma.

Tópicos que abordaremos neste artigo:

Afinal, o que é um mútuo conversível?

Um mútuo conversível nada mais é que um empréstimo com uma opção de conversão em participação societária (quotas ou ações) “embutida”. A investidora, mutuante, empresta dinheiro à empresa, mutuária, recebendo em troca uma opção de, no futuro, observadas certas condições, converter seu investimento em participação ou receber o dinheiro de volta. É um instrumento parcialmente derivado das debêntures conversíveis, exclusivas às sociedades anônimas no Brasil. 

É importante dizer que o mútuo conversível é diferente das opções de conversão (popularizadas pelo SAFE da YCombinator) e das opções de subscrição (ou warrants), especialmente porque estas últimas não prevêem direito de resgate do investimento.

Por que usar mútuos conversíveis?

Os mútuos conversíveis popularizaram-se nos EUA a partir dos anos 2000, com a proliferação das startups, do venture capital e do investimento anjo, que passaram a entrar cada vez mais cedo nas empresas. 

São dois os principais motivos dessa popularização: 

  1. Sua simplicidade, que garante menores custos e maior agilidade no fechamento da rodada, se comparado a investimentos com aquisição direta de ações; 
  2. A flexibilidade de precificação, já que, diferentemente de rodadas via ações, não existe obrigatoriedade em se definir uma avaliação (valuation) fixa para a empresa, o que ajuda a evitar discordâncias entre a investidora e o empreendedor em uma fase em que muitas vezes não há sequer um “MVP” (produto minimamente viável), que dirá demonstrações financeiras que possam fundamentar uma avaliação confiável.

No Brasil, a questão ganha novos contornos. O que foi criado como um instrumento específico para rodadas que atuavam como uma “ponte” (bridge) para uma próxima rodada mais estruturada, se consolidou aqui como a principal forma de financiamento de startups em estágio semente, antes da entrada do primeiro capital institucional – e em alguns casos, mesmo após essa entrada.

A verdade é que a maioria dos investidores e empreendedores não querem negociar um investimento direto em quotas de uma sociedade limitada, diante de suas limitações societárias e dos riscos de dívidas trabalhistas, tributárias e consumeristas. Por outro lado, os altos custos associados à manutenção de uma sociedade anônima no país, incluindo a vedação ao enquadramento no Simples Nacional, acabam fazendo com que as empresas optem por postergar ao máximo a sua transformação em S.A.

Nesse cenário, os mútuos conversíveis aparecem como a alternativa mais atraente e amplamente utilizada para viabilizar essas rodadas, permitindo o adiamento da transformação em S.A. para o momento em que a empresa estiver mais madura e viável financeiramente.


Principais termos

Os termos mais importantes e comuns na negociação de um mútuo conversível são:

Valor nominal (principal)

O valor nominal do mútuo é o valor originalmente aportado pela investidora – principal da dívida –, que será usado para definir o número de ações recebidas quando for o momento da conversão. O aporte é geralmente feito à vista, mas pode ser parcelado ou, ainda, condicionado ao alcance de determinadas metas pela empresa.

Juros e atualização monetária

Os juros praticados no mercado costumam ser baixos, visando apenas garantir a não desvalorização do crédito com o tempo. Afinal, a expectativa da investidora é faturar com o crescimento da empresa, não com o resgate do mútuo. A remuneração pode ser uma simples atualização monetária, uma taxa fixa de juros anual (geralmente juros simples), um índice de juros padrão (CDI ou SELIC) ou uma combinação desses. Os juros podem ou não ser conversíveis em ações, embora o padrão no mercado brasileiro seja a não conversibilidade, já que a conversão dos juros acaba implicando um desconto adicional sobre o valuation da rodada.

Vencimento

O vencimento é a data em que o pagamento passa a ser devido pela empresa. Esse pagamento em geral pode ser feito em ações, conforme valuation negociado originalmente entre as partes, ou em dinheiro, com resgate do principal mais juros, à escolha da investidora. A definição da data de vencimento é uma forma de alinhar expectativas em relação a quando a empresa pretende estar madura o suficiente para realizar a transformação em S.A. e receber o seu primeiro capital institucional.

Em geral, um prazo mais longo é melhor para a empresa, pois garante maior espaço para ajustes de curso e imprevistos. Por fim, o contrato pode prever algumas hipóteses de vencimento antecipado, associadas ao descumprimento de certas obrigações pela empresa, a partir das quais a investidora tem o direito de exigir o vencimento antecipado do mútuo, geralmente com alguma multa associada.

Conversão

Os termos sobre conversão do mútuo costumam ser o principal ponto de discussão do investimento, além de gerarem as maiores dúvidas e confusões durante o processo. A conversão depende da ocorrência de algum evento, como o vencimento ou a realização de uma rodada qualificada. Nessas hipóteses, a conversão pode ser automática, isto é, independe da aprovação da investidora, ou facultativa, isto é, depende do consentimento da investidora – em qualquer caso, a conversão independe da vontade da empresa. O vencimento costuma ser uma hipótese de conversão facultativa. Já a rodada de investimento qualificada costuma ser uma hipótese de conversão automática do mútuo, pois o objetivo primordial do investimento foi a princípio atingido, embora não seja incomum que a investidora mantenha a opção de receber seu dinheiro de volta mesmo nessa hipótese.

  • Rodada de Investimento Qualificada: como dito acima, a intenção da investidora é sempre a valorização do seu investimento. Nesse sentido, um marco importante é a realização de uma rodada de investimento mais significativa, com aporte direto em ações e transformação em S.A. A rodada qualificada é, assim, um aporte de um ou mais investidores geralmente superior a um montante mínimo pré-definido e que seja realizado com aquisição direta de ações. O montante mínimo varia bastante a depender do contexto da empresa, e é definido com o objetivo de garantir aos investidores que só percam o seu direito de resgate – sua “proteção” em um cenário pessimista – se a empresa de fato demonstrar sua viabilidade operacional e capacidade de se financiar adequadamente. Ainda, o montante mínimo garante que a conversão não ocorra sob uma rodada “fraudulenta” ou artificial. Por outro lado, é preciso cuidado para que o montante mínimo não seja tão alto que impeça o gatilho da conversão numa futura rodada. Em linhas gerais, a empresa deve pensar o que seria uma rodada bem-sucedida no futuro, que solidificará o seu sucesso e justificará sua transformação em S.A. Sendo assim, vemos que a rodada de investimento qualificada tem dois principais objetivos: (a) definir o momento da conversão dos mútuos e (b) precificar rodadas anteriores de conversíveis.
  • Avaliação (valuation): a avaliação, ou valuation, representa o valor “justo” da empresa acordado entre as partes na data do investimento. Como falamos acima, a ideia original dos conversíveis era permitir o adiamento da definição do valuation para o momento da conversão, quando da entrada de um aporte mais qualificado. Para isso, criou-se os conceitos de teto de avaliação (valuation cap) e desconto (discount). Já aqui no Brasil, tornou-se relativamente comum que, a fim de possibilitar a postergação da transformação em S.A., fossem realizadas rodadas de mútuos conversíveis com valuation fixo já definido na data do aporte.
  • Desconto: o desconto é uma taxa percentual aplicada sobre o valuation da rodada qualificada, garantindo ao titular do conversível melhores condições sobre os novos investidores, sob a justificativa de que o investidor deve ser recompensado pelo risco adicional que tomou ao investir mais cedo no negócio. Essa taxa costuma girar em torno de 15%-30% e está intimamente ligada à avaliação teto.
  • Avaliação Teto (cap): a avaliação teto, ou cap, se popularizou quando os investidores perceberam que o desconto, por si só, pode gerar distorções ou mesmo injustiças na definição das participações. Isto porque, sem um teto, a investidora pode pagar um valor muito caro por seu investimento, supondo que a empresa seja bem-sucedida e consiga captar uma rodada qualificada a um valuation alto. Considerando que a investidora entrou na empresa num momento de grande risco e incerteza, é justo que seja adequadamente recompensada caso a empresa alcance sucesso em razão de seu investimento. Na prática, o cap atua como uma trava para o valuation sob o qual a investidora converterá o seu mútuo. Na presença do cap & discount¸ vale o menor valor entre o cap e o valuation da rodada qualificada já descontado. Sendo assim, o cap acaba sendo uma forma de precificação da empresa, representando uma média entre a avaliação máxima aceita pela investidora e a avaliação mínima aceita pelo empreendedor no momento do investimento. Em geral, a taxa de desconto será menor ou maior a depender de quão confortável a investidora estiver com o teto negociado na rodada, isto é, de quão justo ela entender ser esse montante.
  • Avaliação Fixa: ocasionalmente, quando a definição do valuation é menos controversa, mas a empresa ainda não está preparada para se transformar em uma S.A., pode ser estruturada uma rodada de mútuos conversíveis com valuation já definido. Na prática, funciona como uma rodada normal de aquisição direta de ações, independente da avaliação de uma futura rodada qualificada.

Resgate

Como falamos acima, o resgate é uma proteção da investidora em casos malsucedidos, mas raramente é consumado de fato. Isso porque, quando a startup chega no vencimento do mútuo sem ter realizado uma rodada qualificada, geralmente está em dificuldades financeiras, lutando pela sua sobrevivência. Nesse cenário, é muito pouco provável que tenha o dinheiro necessário para arcar com o pagamento do mútuo atualizado. E, como discutimos, nem é sequer o objetivo da investidora receber esse montante. Portanto, é bastante comum que, nesses casos, se decida pela conversão em ações ou se negocie o adiamento do vencimento. Caso contrário, mantendo-se a investidora intransigente, é bem provável que a empresa tenha que fechar as suas portas. Por esse motivo, inclusive, tem se tornado cada vez mais comum o uso das opções de conversão (SAFEs).

Vantagens e desvantagens do mútuo conversível

As principais vantagens do uso dos mútuos conversíveis, quando comparado ao investimento direto em quotas ou ações, são:

  • Maior agilidade e menores custos: por ser um instrumento supostamente simples, que não demanda registro em Junta e permite à empresa permanecer como LTDA., as rodadas com mútuos conversíveis costumam ser mais baratas e ágeis.
  • Flexibilidade na precificação: como vimos acima, o conversível permite que a rodada seja negociada sem marcação de um valuation fixo, usando-se, ao invés, o famoso cap & discount. Na prática, isso permite à investidora e ao empreendedor maior flexibilidade na definição dos termos, o que pode ser especialmente positivo em caso de startups em estágio muito inicial.
  • Não tributação do ganho de capital sobre o ágio: como o aporte do investidor lhe garante uma participação na maioria das vezes desproporcional aos sócios sobre o capital social da empresa, o mais comum é que haja um ágio na emissão de suas participações, correspondente à diferença entre o valor de emissão da quota/ação e o seu valor nominal. Diferentemente das sociedades anônimas, em que há previsão legal expressa pela não tributação do ágio incorrido na emissão das ações (art. 38, I, do Decreto-lei nº 1.598/77), nas limitadas não há tal previsão, razão pela qual a Receita Federal entende ser tributável o ágio decorrente da diferença entre o preço de emissão das quotas e o seu valor nominal¹. Nesse contexto, os mútuos conversíveis permitem a realização do investimento direto na LTDA sem que haja risco de tributação – desde que a conversão seja realizada após a transformação em S.A.
  • Proteção patrimonial: são comuns decisões judiciais que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica de sociedades limitadas, responsabilizando pessoalmente os sócios, inclusive minoritários, pelas dívidas trabalhistas, tributárias ou consumeristas da empresa. O mútuo conversível permite que a conversão seja postergada para após a transformação em S.A., quando os riscos para o investidor se tornam muito menores.


Já as principais desvantagens do uso dos mútuos conversíveis são:

  • Aumento da complexidade do cap table: por ser um contrato atípico (ou seja, não previsto em nosso Código Civil e que não segue uma estrutura normativa específica) e que se popularizou apenas recentemente, ainda há muita confusão no mercado sobre quais as melhores práticas e melhor estrutura contratual para esse tipo de investimento. Por isso, é muito comum encontrarmos contratos mal redigidos, com cláusulas de conversão erradas e hipóteses de conversão confusas, ou, ainda, empresas com diversos contratos diferentes e inconsistentes entre si. Portanto, os empreendedores e investidores devem ter muito cuidado ao assinar um mútuo conversível, pois esse tipo de contrato, se mal feito, pode gerar muita dor de cabeça no momento da conversão – é como diz o ditado: o barato acaba saindo caro. Da mesma forma, a realização de várias rodadas com mútuos conversíveis deve ser muito bem planejada, para evitar um descontrole nas conversões, nos cálculos de diluição e na previsão de direitos diferentes para cada investidor. Afinal, nenhum fundador quer chegar em seu Series A e descobrir que tem muito menos participação em sua empresa do que imaginava – o que, infelizmente, é muito mais comum do que se pensa.
  • Insegurança jurídica: justamente por ser um contrato atípico, ainda há bastante insegurança sobre a sua exequibilidade, isto é, se os investidores podem forçar a conversão na sociedade, à revelia dos sócios. Ademais, há muita discussão sobre a validade das cláusulas de controle e veto comumente previstas aos investidores, bem como outras disposições que possam representar uma interferência da investidora na condução dos negócios da sociedade.
  • Insegurança financeira: por permitir o resgate no vencimento, é muito comum que o mútuo conversível prejudique a saúde financeira da empresa, já que, a princípio, deve ser incluído em seu balanço patrimonial na conta do passivo, afetando sua alavancagem. Essa insegurança acaba fazendo com que muitas empresas insistam que o investimento seja realizado por meio de uma opção de conversão, ou SAFE, ao invés de um mútuo conversível, já que o primeiro não pode ser resgatado pela investidora.


Como os mútuos conversíveis impactam a diluição

O mútuo conversível, como qualquer outro investimento em participação societária (equity), implica a diluição dos fundadores e colaboradores que possuam quotas/ações ou opções da empresa. Quanto mais flexíveis ou indefinidos os termos de avaliação (valuation), mais imprevisíveis serão os cálculos de diluição. Como regra geral, quanto menor o valuation ou valuation cap e maior o desconto, maior a diluição sofrida pelos fundadores.

De qualquer modo, é essencial que os fundadores tenham muito cuidado ao negociar esses contratos, para evitar um descontrole sobre o seu cap table e uma diluição excessiva de suas participações. Isso vale especialmente para empresas que contem com múltiplas rodadas de mútuos conversíveis, principalmente se realizadas sob termos diferentes.

Por fim, vale dizer que, a depender de como os métodos de conversão estejam definidos nos contratos, a diluição de outros investidores titulares de conversíveis poderá ou não ocorrer. Na prática, se os demais investidores não forem diluídos, os fundadores e colaboradores arcarão com toda diluição, sendo desproporcionalmente afetados. Falaremos mais sobre as diferentes formas de diluição e métodos de conversão em outro artigo.


Boas práticas para negociar o seu mútuo conversível

Como discutimos acima, os mútuos conversíveis podem ser uma ferramenta poderosa para pequenas empresas em busca de financiamento em estágio inicial de desenvolvimento. Contudo, não custa reforçar: cuidado com os termos. Se usados corretamente, os conversíveis podem ser bastante benéficos, mas, se mal feitos, podem ser muito custosos para todas as partes.

A dica mestra aqui é: valorize a simplicidade, a objetividade e a clareza do seu contrato e, quando negociar com vários investidores, insista em utilizar um único modelo com todos eles. Isso evitará dor de cabeça, desalinhamento e confusão durante a gestão do seu cap table e, principalmente, na negociação da sua rodada qualificada. Tudo o que você não quer é crescer o seu negócio, atingir as suas metas, chegar no Series A e precisar gastar dezenas de milhares de reais com advogados e contadores para arrumar o seu cap table ou, pior, ver a negociação toda melada por causa de discussões que poderiam ter sido evitadas – e acredite: isso acontece mais do que se imagina.

Leia também: Por que as startups estão digitalizando seus cap tables?


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¹ Entendimento confirmado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) – Acórdão nº 9101-002.009, 1ª T.

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