Os planos de stock options já fazem parte da rotina de muitas empresas. Também conhecidos como SOPs, trata-se de um dos principais tipos de incentivo de longo prazo (ILP) para atrair e reter talentos. Porém, uma das maiores dúvidas está em como funciona a tributação das stock options no Brasil.
Durante um longo período, o debate sobre a natureza das stock options não possuía um consenso em tribunais de justiça do país. As decisões judiciais divergiam se a natureza do incentivo era remuneratória ou mercantil.
Por exemplo, neste caso de novembro de 2023 envolvendo a Natura, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que o benefício possui natureza remuneratória. Já neste outro exemplo da Henring, de julho de 2024, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a natureza mercantil dos planos.
No entanto, em setembro de 2024, o STJ determinou o entendimento de que os planos de stock options possuem natureza mercantil, ou seja, sem relação com o salário. O efeito da decisão passou a ser imediato, valendo para mais de 500 casos em julgamento, e, até mesmo, para casos julgados no passado. Com isso, o cenário de incertezas foram reduzidos drasticamente.
Neste artigo, conversamos com o sócio do Mattos Filho, Luiz Fernando Goedert Leite, sócio do Mattos Filho, sobre os efeitos do entendimento do STJ sobre a natureza mercantil das stock options. Confira!
Como a justiça entendia a tributação de stock options?
De um lado, a Receita Federal defendia a natureza remuneratória das stock options, tratando-as como salário. Sendo assim, estão sujeitas à contribuição previdenciária e trabalhista, além do IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) anual com alíquota de até 27,5% – que deve ser retido na fonte pela empresa.
Do outro, os contribuintes – empresas e funcionários – defendiam a natureza mercantil das opções. Assim, estão sujeitas apenas ao imposto de renda sobre eventual ganho de capital apurado na venda das ações exercidas – com alíquotas de 15% a 22,5%.
Abaixo, confira um quadro explicativo para facilitar o entendimento do cenário de tributação das stock options:
Imposto de renda | Contribuições previdenciárias | Encargos trabalhistas | Momento de tributação | |
Tributação como natureza remuneratória | Entra no IRPF anual com tributação entre 0% e 27,5% a depender dos rendimentos totais anuais acumulados. A empresa é responsável pela retenção na fonte. |
Empresas no Simples Nacional estão sujeitas a regras diferentes. |
| Geralmente no exercício da opção de compra de ações, embora haja argumentos a favor da tributação apenas na venda das ações. |
Tributação como natureza mercantil | IRPF – ganho de capital de 15%, podendo chegar a 22,5% | Não há. | Não há. | Apenas na venda das ações, com apuração do ganho de capital. |
Os dois lados da moeda e o possível caminho sobre os impostos
O argumento da Receita apontava que as stock options, ao serem exercidas, representam um acréscimo patrimonial imediato ao beneficiário, independentemente de sua realização em dinheiro.
Essa adição, por sua vez, decorre diretamente da relação de trabalho entre o beneficiário e a empresa, já que as opções são exclusivas a colaboradores e executivos, que possuem privilégios maiores que os oferecidos no mercado. Dessa forma, a renda tributável corresponderia à diferença entre o valor de mercado das ações na data do exercício e o preço pago pelo beneficiário para adquiri-las.
Já os contribuintes argumentavam que o exercício das stock options representa apenas uma potencial expectativa de retorno financeiro. Ou seja, ainda dependerá da efetiva venda das ações para realmente significar um aumento de patrimônio.
O potencial retorno, por sua vez, não decorre diretamente da relação de trabalho. Depende das condições de mercado e do desenvolvimento econômico da empresa, que pouco guardam relação com o desempenho específico do colaborador.
Além disso, os contribuintes ainda defendiam três pontos para enquadrar as stock options como natureza mercantil. Confira a seguir.
- O direito de adquirirem ações não tem retorno garantido já que estão sujeitas aos riscos de valorização e desvalorização de mercado.
- A adesão ao plano é facultativa.
- O exercício das opções demanda efetivo desembolso financeiro pelo beneficiário, o que as diferencia do salário em sua concepção original.
Como funciona em outros países?
Países como Reino Unido, Estados Unidos e França se destacam na sofisticação do enquadramento tributário dos SOPs. Assim, leva a maiores níveis de adoção desses instrumentos pelas empresas nacionais.
No Reino Unido, por exemplo, as startups podem aderir ao Enterprise Management Incentive (EMI), um dos mais benéficos programas de tributação de SOPs do mundo. Nele, a tributação segue a lógica dos ganhos de capital, ocorrendo apenas na venda das ações, a uma alíquota de 10% – ou 20% caso a venda ocorra menos de um ano depois da outorga.
Já nos Estados Unidos, as empresas podem estruturar seus SOPs como Incentive Stock Options (ISOs) ou Non-Qualified Stock Options (NSOs). Os ISOs são mais vantajosos ao garantir a tributação como ganho de capital.
Nesse modelo, as alíquotas são de até 20% na venda, desde que a operação ocorra após ao menos um ano do exercício e dois anos da outorga – e não haja diferença significativa entre o preço pago e o valor de mercado das ações na data do exercício. A empresa também não paga tributos e ainda pode deduzir as despesas do seu lucro tributado.
O que muda após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)?
Imagine que João é funcionário da Empresa ABC e recebe a opção de comprar 1.000 ações da empresa por R$ 10,00 cada (preço de exercício), quando o valor de mercado está em R$ 15,00 por ação.
- Após 3 anos, o valor das ações sobe para R$ 20,00 e João decide exercer suas stock options.
Antes da Decisão do STJ (Stock Options Tratadas como Salário)
- Imposto de Renda (IR) para João:
- Como o benefício seria tratado como parte da remuneração, a diferença entre o preço de exercício (R$ 10,00) e o valor de mercado na data da concessão (R$ 15,00) seria considerada como salário.
- João pagaria Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) com alíquotas que podem chegar até 27,5% sobre esse ganho imediato (R$ 5.000,00), resultando em um imposto de R$ 1.375,00.
- Efeitos para a Empresa ABC:
- A empresa teria que recolher também INSS sobre esse valor.
- Além disso, poderia incorrer em custos com FGTS e demais encargos trabalhistas, já que o plano seria parte da remuneração total de João.
Após a Decisão do STJ (Stock Options como Natureza Mercantil)
- Imposto de Renda (IR) para João:
- Agora, com a decisão do STJ, as stock options são tratadas como uma operação mercantil. João será tributado apenas sobre o ganho de capital quando vender as ações, e não na aquisição delas.
- Se João vender suas ações, o ganho de capital será a diferença entre o preço de venda (R$ 20,00) e o preço de exercício (R$ 10,00).
- João pagará 15% de IR sobre o ganho de capital (R$ 10.000,00 de lucro), o que resulta em R$ 1.500,00 de imposto. Contudo, o imposto é pago somente na venda das ações, não no momento de recebê-las.
- Efeitos para a Empresa ABC:
- Como as stock options agora têm natureza mercantil, a empresa não precisa pagar INSS, FGTS ou outros encargos trabalhistas relacionados ao plano de opções.
- O plano é considerado um incentivo de longo prazo, e não uma parte da remuneração direta.
O que pensa o especialista?
Conversamos com o Luiz Fernando Goedert Leite, sócio do Mattos Filho, sobre os efeitos do entendimento do STJ sobre a natureza mercantil das stock options. Confira:
Por que essa decisão diminui a insegurança jurídica na oferta de planos de compra de ações?
Por dois motivos: traz clareza dos custos envolvidos com esse incentivo e tira da frente o risco de autuação das pessoas físicas dos participantes
O entendimento da natureza do incentivo como mercantil também pode valer para outros modelos de plano?
Precisamos aguardar a decisão (o acórdão) ser publicado para confirmar os fundamentos adotados pelo STJ, mas a princípio sim, outros modelos que tenham elementos parecidos poderão ser beneficiados indiretamente pela decisão. Diretamente apenas o stock options será beneficiado.
A decisão passa a valer imediatamente e também para outros tribunais?
Ela passa a valer a partir da publicação do acórdão, mas pode ser que a Fazenda (Fisco) recorra da decisão, suspendendo os efeitos temporariamente.
A decisão do STJ pode ser usada para reavaliar casos do passado?
Sim, sem dúvidas. A decisão vale até para quem tratou o SOP como remuneração no passado (pedir de volta a diferença de IR, por exemplo). Exceto se houver alguma modulação de efeitos ou nova decisão que modifique o entendimento (pelo Supremo, por exemplo).
Quer saber mais sobre o assunto? Acesse nosso Guia de Stock Options no Brasil e descubra tudo sobre o modelo.